segunda-feira, 4 de maio de 2020

86 Anos de Belterra: um capítulo da história da borracha na Amazônia

Por Cristovan Sena

  Belterra nasceu de um fracasso empresarial do americano Henry Ford (1863/1947). O homem que ficou famoso por revolucionar a indústria automobilística, pioneiro a implantar a linha de montagem em série na fabricação de automóveis.

    Viveu vendo todos seus investimentos prosperarem, até o dia em que resolveu produzir borracha natural na Amazônia. Aqui, onde nunca esteve, juntamente com a equipe que veio implantar os seringais de cultivo em Fordlândia e posteriormente Belterra, conheceu o fracasso.
Em toda a Amazônia, nenhum outro ciclo econômico foi mais estudado e pesquisado do que o da borracha. O ciclo do "ouro negro", como ficou conhecido.
    Charles Marie de La Condamine (1701 - 1744), que participou em 1735 da expedição científica na Amazônia para medir a circunferência da Terra, produziu os primeiros estudos sobre a borracha (Hevea brasiliensis). Apresentou a seringueira à Academia de Ciências, em Paris, levando a boa-nova ao “mundo civilizado”. Esses estudos aguçaram o interesse pela goma elástica.
    Charles Goodyear (1800/1860), em 1836, conseguiu, através da vulcanização da borracha, transformá-la em produto estratégico para o mundo. E Henry Alexander Wickham (1846/1928), em 1876, após passar uma temporada morando em Santarém, conseguiu, amparado pelo beneplácito do Kew Garden, transferir 70 mil sementes de seringueiras do Vale do Tapajós para Londres, ato que se transformou no início do fim do monopólio que o Brasil mantinha na produção de borracha natural.
    Durante o século XIX praticamente toda borracha consumida no mundo era originária da Amazônia, que teve o seu apogeu entre 1879 e 1912, após o surgimento do automóvel de Henry Ford.
Belém e Manaus transformaram-se, em pouco tempo, em centros econômicos pulsantes: Belém, era a entrada para a Amazônia. Manaus, a entrada para os seringais nativos.
    Em 1827 aconteceu a primeira exportação de borracha natural pela região amazônica, da ordem de 50 toneladas.
    O início do fim aconteceu no dia 29 de maio 1876. Nessa data, Wickham embarcou no navio "Amazonas" as 70 mil sementes de seringueiras, coletadas na região de Boim, com destino a Londres, onde só foram chegar dia 14 de junho.
Em agosto do mesmo ano, os ingleses enviaram para o sudeste asiático, Ceilão e Malásia, possessões britânicas, 2.397 mudas de seringueiras, oriundas das 70 mil sementes do vale do Tapajós.
    Em 1900 as primeiras 4t de borracha natural asiática foram colocadas no mercado, com aumento gradual de produção à cada ano. Em 1906 a produção chegou a 500t.
    Em 1908 a imprensa paraense tentava encobrir, por ignorância ou má fé, a catástrofe que a região estava fadada a enfrentar:

    “Não precisamos nos preocupar com as plantações de borracha que surgiram na Ásia... As condições climatéricas especiais do Vale Amazônico e as inúmeras necessidades da indústria moderna nos permitem fazer pouco caso do que os outros estão realizando no mesmo setor”

        E a história da borracha na Amazônia continuou a ser escrita:

1910 - Início das exportações de borracha natural por países asiáticos de 10 mil/t;
1911 - O Brasil atinge o maior volume de exportação de borracha, 31 mil/t;
1912 - Fim da supremacia brasileira no mercado internacional de borracha vegetal;
1947 - Última exportação expressiva de borracha vegetal pelo Brasil 7.000/t;
1951 - O Brasil começou a importar borracha vegetal dos ingleses;
1990 - Fim da supremacia da Amazônia na produção de borracha natural. O Sudeste passa a ser o maior produtor de borracha no Brasil.

    Para termos uma ideia do fracasso, em 2002, toda a região amazônica produziu 4.143t de borracha natural, enquanto o minúsculo estado do Espírito Santo, com seus 46.095 km², chegou a 7.204/t.
      É a partir do início da década de 1920 que Henry Ford começa a fazer parte da história da borracha na Amazônia.
    Os ingleses, que controlavam o mercado, a fim de manterem o preço da borracha em alta, criaram o cartel da borracha no Sudeste Asiático, o que levou Henry Ford a pensar em produzir sua própria matéria prima, se quisesse ter garantia no abastecimento de látex para a fabricação dos pneus dos seus automóveis, a preços competitivos.
    Assim surgiu a ideia de Ford produzir borracha na Amazônia. A escolha do Vale do Tapajós para sede do seringal racional deveu-se ao fato de lá terem saído as 70 mil sementes que Wickham levou para Londres. A história da aquisição dessa área em julho de 1927, um milhão de hectares, é meio intrincada, onde aparecem as figuras de Jorge Dumont Villares, herdeiro de uma afortunada família cafeeira de São Paulo, e W.L. Reves Blakeley.
    Adquirida a terra, o passo seguinte foi construir a cidade que iria dar suporte à plantation e que recebeu o nome de Fordlândia, localizada à margem direita do Rio Tapajós, na bacia do Rio Cupari, dentro dos municípios de Aveiro e Itaituba, numa comunidade denominada Boa Vista.
    Fordlândia seria a primeira “cidade empresa” edificada na Amazônia, criada para garantir a lógica produtiva dos grandes projetos, provocando verdadeira revolução na realidade local e regional, transformando as relações de trabalho e a vida social dos seus habitantes.
    Iniciado o plantio, em pouco tempo as árvores foram atacadas pelo inimigo número um das seringueiras, o “Mal das Folhas”, doença causada pelo fungo Microcyclus ulei, até então desconhecido dos americanos de Fordlândia.
Observando que o que plantavam era dizimado pelo fungo, no da 04 de maio de 1934, a Companhia formalizou com o Estado a permuta de uma área de 281 mil hectares, por outra de igual tamanho, no município de Santarém, onde edificaram outra cidade, Belterra, e começaram novo plantio racional de seringueiras.
Seis anos depois de ter chegado a Fordlândia, a Companhia reiniciava do zero seu projeto de produzir borracha na Amazônia.
    Em Belterra, o seringal também foi atacado pelo “Mal das Folhas”. Mas a utilização de práticas de manejo como seleção de sementes, utilização de clones resistentes, enxertia de copa e controle com fungicidas, fizeram com que o seringal passasse a conviver com o Microcyclus.
    Em 1941 as primeiras seringueiras plantadas em Belterra começaram a ser exploradas, mas a produtividade extremamente baixa associada ao alto custo de produção da borracha jogou um balde de água fria no entusiasmo dos administradores da Companhia.
    No período em que passou em Belterra, pouco mais de dez anos, a Companhia desmatou cerca de 8 mil hectares de terras.
    A presença da Ford Motor Co. na Amazônia durou 18 anos (1927-1945). Em 1945, o neto de Henry Ford que já estava à frente do projeto resolveu desistir do empreendimento, imputando ao fungo e a problemas com trabalhadores a responsabilidade pela retirada.
    Retornaram para os EEUU “entregando” terras e benfeitorias ao Governo Brasileiro.
    Pela aquisição de Fordlândia e Belterra, o governo desembolsou, em 1945, a bagatela de 5 milhões de cruzeiros (250 mil dólares). Segundo estimativas, as duas plantações custaram à Companhia Ford um investimento de mais de vinte milhões de dólares.
    Por esse valor simbólico, o Governo Federal recebeu seis escolas, sendo quatro em Belterra e duas em Fordlândia; dois hospitais; patrulhas sanitárias; captação, tratamento e distribuição de água nas duas cidades; usinas de força; mais de 70 quilômetros de estradas bem conservadas; dois portos; estação de rádio e telefonia; duas mil casas para trabalhadores; trinta galpões; centros de análise de doenças e autópsias; duas unidades de beneficiamento de látex; vilas de casas para a administração; departamento de pesquisa e análise de solo.
    Em 1995, a possibilidade de Belterra virar cidade ganha corpo. Em junho, no dia 13, o Tribunal Regional Eleitoral do Pará, deferiu a solicitação do Poder Legislativo Estadual e marcou a consulta plebiscitária para o dia 06 de agosto. E o sim saiu vitorioso!
    Criado o Município, por ato do governador Almir Gabriel, em 03 de outubro de 1995 acontece a primeira eleição municipal.
O candidato Oti Silva Santos, com 64,3% dos votos válidos, entra para a história como o primeiro Prefeito de Belterra.
Em 2004, em parceria com o ICBS, Oti lança o livro "Belterra a sua história".

Capa do Livro. (Arquivo do Instituto Cultural Boanerges Sena-ICBS)

Transcrição do texto na íntegra. Retirado do Facebook de Cristovan Sena.

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