Trecho retirado do
Jornal impresso “Correio Paulistano”, do dia 10 de outubro de 1940.
BELTERRA, 9 (A.N.) – O Sr. Presidente Getulio Vargas deixou o
aeroporto de Belém, às 8 horas, em meio de um ambiente da mais alta vibração,
tendo recebido nova e entusiástica manifestação, por parte das altas
autoridades civis e militares e grande número de amigos que o foram cumprimentar.
O Chefe da Nação tomou lugar a bordo do “Comodoro” juntamente com o general
Edgard Facó, comandante da 8 região, ministro João Alberto, Sr. Luis Vergara,
coronéis Benjamim Vargas e Jesuíno de Albuquerque, capitães Manuel dos Anjos e
F. Mattos Vanique.
Dentro de poucos minutos, após rápida manobra de decolagem, a
aeronave presidencial ganhava novos céus dentro da manhã rutilante de cores.
Agora, o Sr. Presidente Getúlio Vargas desprendia-se do último centro urbano,
onde ainda se fazia sentir a influência cosmopolita na sua natural posição de
porto através do qual transitam estrangeiros que demandam ou precedem dos
Estados Unidos. Entrava, assim, em plena civilização autóctone, demandando
caminhos desconhecidos até agora, virgem dos actos e dos passos de qualquer
Chefe de Estado. Mas o sacrifício do supremo mandatário da Nação, fazendo uma
viagem duríssima e aproveitando todas as horas disponíveis nos pontos
visitados, numa atividade sem descanso, recebia, agora, larga recompensa nesse
verdadeiro baile nupcial da floresta sumptosas, em cujo seio palpita a riqueza
nacional, tão alto fala ao seu espírito inteiramente devotado nos interesses
superiores de sua pátria.
A sua viagem não permite um lento e minucioso contato com
essas maravilhosas paragens da terra brasileira. Uma simples visão panorâmica,
porém, permitia que o raciocínio do viajante se perdesse em conjecturas
fantásticas sobre obras mais fantásticas, ainda que, apesar disso, não
conseguiram nunca fugir à influencia do próprio meio que as inspiram.
Aqui as manifestações dos phenomenos de Flash Gordon não dariam, aos creadores do heroe, dificuldades ou trabalhos de imaginação. Bastaria que colocassem em letras de forma os desnorteantes caprichos da natureza. Daí não se estranhar que o fabuloso mundo amazônico tenha inspirado a Raul Bopp, o seu poema “Cobra Norato”, lenda cheia de beleza, de mysterio e de tragédia, de romance. Suponha o leitor, por exemplo, que curiosa symbiose representa o encontro de dois rios mantendo cada qual sua própria cor como sendo, no mesmo leito, um rio de azeite e um rio de vinagre. Pois sem mais nem menos é o que acontece entre o Tapajós e o Amazonas, fazendo-o recuar para a própria foz na altura de Santarém. O repórter teve cuidado de expor primeiro todas essas originalidades do cenário, porque o entrar no terreno dos fatos esta simples noticia poderia causar mais fundas impressões no espírito do leitor: - O Sr. Presidente Getulio Vargas assumiu, hoje, o comando do avião em que viaja. Logo após a partida de Gurupá, onde o “Comodoro”pousara para reabastecimento, o Chefe da Nação passou a pilotar a aeronave, conduzindo-a por centenas de kilometros e só abandonando a direção do aparelho minutos antes da amerissagem em Belterra.
O Sr. Presidente Getúlio Vargas não se cansa de surpreender, tanto a massa com a qual se identificou profundamente, como até aos seus próprios amigos. Ainda na véspera de deixar Belém, agradecendo a uma manifestação do operariado pronuncia, de improviso, um dos seus mais interessantes discursos, dirigindo-se ao caboclo amazônico, duas vezes maltratado, pelas endemias e pela falta de meios com que se defender da ganância dos ambiciosos. E o Presidente da República atacou a questão por dois lados objetivos: a distribuição da terra aos caboclos e o saneamento da região. E agora, de súbito, passa a mão na direção do hydro e assume o seu comando como quem quer ter, realmente, um visada perfeita sobre a região.
NAS TERRAS DA EMPRESA FORD
BELTERRA, 9 (A.N) – Desde uma hora da tarde de ontem, o Presidente Getúlio Vargas esteve, até a manhã de hoje, nas terras da empresa Ford, que constituem esta região. Aqui, as plantações de seringais contam cerca de dois milhões de pés racionalmente plantados numa área de um milhão e duzentos mil acres que sofre o trabalho ativo da pesquisa e da experimentação científica.
Belterra ou, melhor, a Bela Terra, pertence ao município de Santarém e é, verdadeiramente, um campo de experimentação e de cultura racional. Cerca de sete mil almas que vivem, inclusive nada menos de dois mil e quinhentos trabalhadores. Tem hospital, grupos escolares, cinema, outras diversões, luz própria e a água, mesmo a que serve aos viveiros, é filtrada.
O Presidente Getulio Vargas, vindo a Amazonia, desejou conhecer esse esforço industrial que faz inverter, na região de Belterra, grandes capitães americanos, como já se inverteu na Fordlândia, distante desta região cerca de doze horas de viagem em lancha.
As culturas dessa região estão divididas em quatro grandes centros, todos servidos de estrada de rodagem. Os operários possuem casa de esteira para melhorar os efeitos do calor. E um espetáculo interessante ver-se ao longo da avenida as casas dos trabalhadores cada uma com o seu jardim. Todos os recursos são dados aos operários, gratuitamente, pela companhia exploradora dos seringais que, explicando tal procedimento, salienta que o operário bem tratado e com conforto produz mais e melhor.
O Presidente Getulio Vargas, após o almoço, em companhia do Sr. Enri Bramnstein, representante da Companhia Ford e de sua comitiva, percorreu toda a cidade agro-comercial e os seus serviços sociais. O hospital, como de hábito, foi um dos pontos mais demoradamente examinados pelo Chefe de Governo, que conversou com vários enfermos, conformando-os com a sua presença e a sua palavra. Interessando-se pelo sistema de plantações, o Presidente Getulio Vargas colheu todos os detalhes do método adaptado. A plantação nativa produz apenas cinco por cento, ao passo que o aproveitamento da cultura racional é completo. O Presidente assistiu a duas interessantes demonstrações enxertia: a primeira de uma árvore, para que possa produzir mais e melhor e a segunda de folhas, para acaulear-as melhor do tempo e das moléstias.
O representante da Companhia Ford, reunindo no campo experimental todos os trabalhadores em manifestação ao Chefe do Governo, fez-lhe uma saudação, em homenagem ao “primeiro Chefe do Estado do Brasil que, deixando suas comodidades, vem a região amazônica apreciar de perto as suas necessidades”.
A seguir, o Chefe do Governo inaugurou uma praça de esportes
para os trabalhadores de Belterra, encerrando a sua visita.
Um comentário:
Meu pai ( Cosme Alves da Silva - in memorian ) fez uma homenagem ao presidente, pois por ser extrovertido foi escolhido para tal feito.
Nos contava que o presidente, impressionado com sua desenvoltura, o pediu para sua mãe ( minha vó ) a fim de educa-lo, mas não foi atendido.
Contava também, que o presidente Getúlio Vargas disse que o mandaria buscar quando fizesse 15 anos, mas com sua morte anos depois, isso não aconteceu.
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